68ª. As palavras de Cristo sobre a ressurreição completam a revelação do corpo – 16/12/1981

1. “Na ressurreição… nem os homens terão mulheres, nem as mulheres maridos, mas serão como anjos de Deus”i. “… São semelhantes aos anjos e, sendo filhos da ressurreição, são filhos de Deus”ii.

A comunhão (communio) escatológica do homem com Deus, constituída graças ao amor de uma perfeita união, será alimentada pela visão, “face a face” da contemplação daquela comunhão mais perfeita, porque puramente divina, que é a comunhão trinitária das Pessoas divinas na unidade da mesma divindade.

2. As palavras de Cristo, referidas pelos Evangelhos sinóticos, consentem-nos deduzir que os possuidores do “outro mundo” conservarão —nesta união com o Deus vivo, que brota da visão beatífica da Sua unidade e comunhão trinitária— não só a sua autêntica subjetividade, mas a adquirirão em medida muito mais perfeita, que na vida terrena. Nisto será, além disso, confirmada a lei da ordem integral da pessoa, segundo a qual a perfeição da comunhão não só é condicionada pela perfeição ou maturidade espiritual do sujeito, mas também, por sua vez, a determina. Aqueles que participarem no “mundo futuro”, isto é, na perfeita comunhão com o Deus vivo, gozarão de uma subjetividade perfeitamente madura. Se nesta perfeita subjetividade, conservando embora no seu corpo ressuscitado, isto é, glorioso, a masculinidade e a feminilidade, “não tomarão mulher nem marido”, isto explica-se não só com o fim da história, mas também —e sobretudo— com a “autenticidade escatológica” da resposta àquele “comunicar-se” do Sujeito Divino, que formará a beatificante experiência do dom de Si mesmo por parte de Deus, absolutamente superior a toda a experiência própria da vida terrena.

3. O recíproco dom de si mesmo a Deus —dom, em que o homem concentrará e exprimirá todas as energias da própria subjetividade pessoal e, ao mesmo tempo, psicossomática— será a resposta ao dom de Si mesmo por parte de Deus ao homem1. Neste recíproco dom de si por parte do homem, dom que se tornará, até ao fundo e definitivamente, beatificante, como resposta digna de um sujeito pessoal ao dom de si por parte de Deus, a “virgindade” ou melhor, o estado virginal do corpo manifestar-se-á plenamente como simples complemento escatológico do significado “esponsal” do corpo, como o sinal específico e a expressão autêntica de toda a subjetividade pessoal. Assim, portanto, aquela situação escatológica, em que “não tomarão mulher nem marido”, tem o seu sólido fundamento no estado futuro do sujeito pessoal, quando, em seguida à visão de Deus “face a face”, nascer nele um amor de tal profundidade e força de concentração sobre Deus mesmo, que absorverá completamente a sua inteira subjetividade psicossomática.

4. Esta concentração do conhecimento (“visão”) e do amor sobre Deus mesmo —concentração que só pode ser a plena participação na vida interior de Deus, isto é, na mesma Realidade Trinitária— será, ao mesmo tempo, a descoberta, em Deus, de todo o “mundo” das relações, constitutivas da sua perene ordem (“cosmos”). Tal concentração será, sobretudo, a redescoberta de si por parte do homem, não só na profundidade da própria pessoa, mas também naquela união que é própria do mundo das pessoas na constituição psicossomática delas. Certamente, é uma união de comunhão. A concentração da consciência e do amor sobre Deus mesmo, na comunhão trinitária das pessoas, pode encontrar uma resposta beatificante naqueles que se tornarem participantes do “outro mundo”, só através do realizar-se da comunhão recíproca comensurada às pessoas criadas. E, por isso, professamos a fé na “comunhão dos Santos” (communio sancturum) e professamo-la em relação orgânica com a fé na “ressurreição dos mortos”. As palavras com que afirma Cristo que no “outro mundo… não tomarão mulher nem marido”, estão na base destes conteúdos da nossa fé, e, ao mesmo tempo, requerem uma adequada interpretação precisamente à sua luz. Devemos pensar na realidade do “outro mundo”, nas categorias da redescoberta de uma nova e perfeita subjetividade de cada um, e, ao mesmo tempo, da redescoberta de uma nova, perfeita intersubjetividade de todos. De tal modo, esta realidade significa a verdadeira e definitiva plenitude da subjetividade humana, e, nesta base, a definitiva plenitude do significado “esponsal” do corpo. A total concentração da subjetividade criada, remida e glorificada, sobre Deus mesmo não afastará o homem desta plenitude, antes —pelo contrário— nos introduzirá e nos consolidará nela. Pode-se dizer, por fim, que deste modo a realidade escatológica se tornará fonte da perfeita atuação da “ordem trinitária” no mundo criado das pessoas.

5. As palavras com que apela Cristo para a futura ressurreição —palavras confirmadas de modo singular pela Sua ressurreição— completam o que nas presentes reflexões costumamos chamar “revelação do corpo”. Tal revelação penetra em certo sentido no coração mesmo da realidade que experimentamos, e esta realidade é sobretudo o homem, o seu corpo, o corpo do homem “histórico”. Em igual tempo, esta revelação consente-nos ultrapassar a esfera desta experiência em duas direções. Primeiro que tudo, na direção daquele “princípio”, ao qual Cristo faz referência no Seu colóquio com os fariseus a respeito da indissolubilidade do matrimônioiii; em segundo lugar, na direção do “outro mundo”, para o qual o Mestre chama a atenção dos seus ouvintes em presença dos saduceus, que “afirmam que não há ressurreição”iv. Estes dois “ampliamentos da esfera” da experiência do corpo (se assim se pode dizer) não são completamente inacessíveis para a nossa compreensão (obviamente teológica) do corpo. O que o corpo humano é no âmbito da experiência histórica do homem não é de todo interrompido por aquelas duas dimensões da sua existência, reveladas mediante a palavra de Cristo.

6. É claro que se trata aqui não tanto do “corpo” em abstrato, mas do homem que é espiritual e corpóreo juntamente. Prosseguindo nas duas direções, indicadas pela palavra de Cristo, e ligando-nos de novo à experiência do corpo na dimensão da nossa existência terrena (portanto, na dimensão histórica), podemos fazer certa reconstrução teológica do que poderia ser a experiência do corpo em base ao “princípio” revelado do homem e também daquilo que ele será na dimensão do “outro mundo”. A possibilidade de tal reconstrução, que amplia a nossa experiência do homem-corpo, indica, pelo menos indiretamente, a coerência da imagem teológica do homem nestas três dimensões, que juntamente concorrem para a constituição da teologia do corpo.

Ao interromper, por hoje, as reflexões sobre este tema, convido-vos a dirigir os vossos pensamentos para os dias santos do Advento que estamos a viver.

1 “Na concepção bíblica (…) trata-se de uma imortalidade ‘dialógica’ (ressuscitação!), quer dizer que a imortalidade não deriva simplesmente da óbvia verdade de o indivisível não poder morrer, mas do ato salvador daquele que ama, que tem poder de o fazer; por isso, o homem não pode desaparecer totalmente, porque é conhecido e amado por Deus. Se todo o amor postula a eternidade, o amor de Deus não só a quer, mas exercita-a e é-a.

… Dado que a imortalidade apresentada pela Bíblia não deriva da força própria de quanto de per si é indestrutível, mas de ser acolhido no diálogo com o Criador, por este fato deve-se chamar ressuscitação…” (J. Ratzinger, Risurrezione della carne — aspetto teologico, em: Sacramentum Mundi, vol. 7, Bréscia 1977, Morcelliana, concupiscência. 160-161).

iMt 22, 30, analogamente Mc 12, 25.

iiLc 20, 36.

iii Cf. Mt 19, 3-9.

ivMt 22, 23.